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2011
29.09 a 29.10 - O caminho da água | Newman Schutze
Esculturas, desenho a nanquim e pintura
Com seu olhar fixo, concentrado, mãos na cintura, na iminência de começar o trabalho, o artista age como se estivesse ao pé de uma paisagem que é antes de tudo um desafio, um campo preparado para o cultivo à espera de quem o enfrente, um plano fino, duro, quase translúcido, estendendo-se liso para o horizonte e em cuja borda a luz despontará e desaparecerá, lentamente, de acordo com o compasso das horas do dia. De um lado o sol, de outro o artista. Pensemos o artista, por um momento, como quem se coloca no lugar de todo aquele que transforma a natureza, altera suas feições, retifica suas irregularidades, impõe-lhe uma ordem, o que não quer dizer que para isso não tenha que se haver − e respeitar − com o ritmo das estações, ansiar pela quantidade certa de chuva e outras variáveis que ele pode prever, mas não controlar. Podemos seguir adiante no raciocínio e pensar o artista também como todo aquele que enfrenta o mundo, e isso é o mesmo que dizer qualquer um de nós, tentando fazer valer sua voz sem que ela submerja ao som ininterrupto do universo. Diante das pinturas e desenhos de Newman Schutze entende-se que certo tipo de virtuosismo presente na arte contemporânea é o resultado de salas confortáveis, luz controlada e máquina de fazer café à mão, quando não é proveniente de encomendas feitas a artífices de alta qualidade, o que evita que o artista suje e caleje suas mãos. Nada contra isso, em absoluto, mas é fato que na poética de Schutze o peso das mãos, o emprego do corpo, o gesto repetido contam e muito. Talvez uma reação ao caráter epidérmico da vida contemporânea, a carência de experiências efetivas, a perda de substância. A água, elemento basilar, é o principal assunto dos trabalhos em papel de Newman Schutze. O solvente por excelência do nanquim, ancestral corante chinês produzido a partir do carvão, empregado pelos cultores do sumie, e também material de eleição de Newman Schutze para os seus desenhos. Diversamente do óleo, material mais lento e resistente à ação, passível de ser modelado e remodelado sobre uma tela ao longo de dias como um bocado de argila conservada úmida, o nanquim, devidamente diluído, é muito mais rápido, difícil de ser controlado, suscetível a erros e acidentes. Pois é justamente essa velocidade e total dependência da água que o tornou fonte das experiências mais radicais do artista, com resultados que, por sua vez, terminam por levá-lo a encontrar novas possibilidades em sua pintura. No tocante a esta, o artista segue trabalhando dentro dos moldes convencionais: tela fixada na parede, tubos de tinta, pincéis e a coleção das duas ordens de gestos já comentados. No desenho, o caminho, sob vários ângulos, é outro. Abre novas perspectivas, coloca novos problemas, faz pensar com maior profundidade na ação como motor da consciência, na descoberta de um material como descoberta de si, na expansão dos gestos como expansão do ser. Agnaldo Farias |